segunda-feira, 21 de maio de 2007

O PRINCIPEZINHO – XXI



Foi então que apareceu a raposa.
- Bom dia, disse a raposa.
- Bom dia, respondeu delicadamente o principezinho, que se voltou mas não viu ninguém.
- Estou aqui, disse a voz, sob a macieira.
- Quem és tu? perguntou o principezinho. És bem linda…
- Sou uma raposa, disse a raposa.
- Vem brincar comigo, disse o principezinho. Estou tão triste…
- Não posso brincar contigo, disse a raposa. Ainda ninguém me cativou.
- Ah! desculpa, disse o principezinho.
Mas, depois de ter reflectido, acrescentou:
- O que quer dizer «cativar»?
- Tu não és daqui, disse a raposa, o que é que procuras?
- Procuro os homens, disse o principezinho. Que quer dizer «cativar»?
- Os homens, disse a raposa, têm espingardas e caçam. É bem incómodo! Também criam galinhas. É a única coisa interessante que fazem. Estás à procura de galinhas?
- Não, disse o principezinho, procuro amigos. O que é que quer dizer «cativar»?
- É uma coisa muito esquecida, disse a raposa. Significa «criar laços…».
- Criar laços?
- Isso mesmo, disse a raposa. Para mim não passas ainda de um rapazinho muito parecido com cem mil rapazinhos. E não preciso de ti. E tu também não precisas de mim. Para ti sou apenas uma raposa semelhante a cem mil raposas. Mas, se me cativares, teremos necessidade um do outro. Para mim serás único no mundo. E eu serei para ti única no mundo…
- Começo a compreender, disse o principezinho. Há uma flor… creio que ela me cativou…
- É possível, disse a raposa. Vê-se de tudo sobre a Terra…
- Oh! não é na Terra, disse o principezinho.
A raposa pareceu muito intrigada:
- Noutro planeta?
- Sim.
- Há caçadores nesse planeta?
- Não.
- Isso é interessante! E galinhas?
- Não.
- Não há nada perfeito, suspirou a raposa.
Mas a raposa voltou à sua ideia:
- A minha vida é monótona. Caço galinhas e os homens caçam-me. Todas as galinhas são parecidas umas com as outras e todos os homens são parecidos uns com os outros. Por isso aborreço-me um pouco. Mas se me cativares a minha vida ficará como que iluminada pelo sol. Conhecerei um ruído de passos que será diferente de todos os outros. Os outros passos fazem-me meter debaixo da terra. Os teus, chamar-me-ão para fora da toca como uma música. E além disso, olha! Vês, além, os campos de trigo? Não me alimento de pão. O trigo para mim é inútil. Os campos de trigo não me dizem nada. E isso é triste! Mas tu tens cabelos cor de ouro. Então será maravilhoso quando me tiveres cativado! O trigo, que é dourado, far-me-á lembrar de ti. E amarei o som do vento no trigo…
A raposa calou-se e olhou muito tempo o principezinho.
- Por favor… cativa-me! disse ela.
- Gostava de o fazer, respondeu o principezinho, mas não tenho muito tempo. Tenho amigos para descobrir e muitas coisas para conhecer.
- Só se conhecem as coisas que se cativam, disse a raposa. Os homens já não têm tempo para conhecer o que quer que seja. Compram coisas feitas nos comerciantes. Mas como não existem comerciantes de amigos, os homens já não têm amigos. Se queres ter um amigo, cativa-me!
- O que é preciso fazer? disse o principezinho.
- É necessário ser paciente, respondeu a raposa. Sentas-te primeiro um pouco longe de mim, assim, na erva. Eu olhar-te-ei pelo canto do olho e tu não dirás nada. A linguagem é fonte de mal-entendidos. Mas, de dia para dia, poderás sentar-te um pouco mais perto…
No dia seguinte o principezinho voltou.
- Era preferível teres voltado à mesma hora, disse a raposa. Se vieres, por exemplo, às quatro da tarde, a partir das três começarei a sentir-me feliz. Quanto mais a hora avançar, mais me sentirei feliz. Chegadas as quatro horas já estaria agitada e inquieta; descobriria o preço da felicidade! Mas se vieres a qualquer hora, ficarei sem saber a que horas hei-de vestir o meu coração… Os rituais são necessários.
- O que é um ritual? disse o principezinho.
- É também qualquer coisa de demasiado esquecido, disse a raposa. Aquilo que faz com que um dia seja diferente dos outros dias, uma hora das outras horas. Há, por exemplo, um ritual que é praticado pelos meus caçadores. Dançam às quintas-feiras com as raparigas da aldeia. Por isso a quinta-feira é um dia maravilhoso! Eu vou passear até à vinha. Se os caçadores dançassem num dia qualquer, os dias seriam todos parecidos e eu não teria férias.
Foi assim que o principezinho cativou a raposa. E quando chegou a hora da partida:
- Ah! disse a raposa… Vou chorar.
- A culpa é tua, disse o principezinho, eu não queria que te acontecesse nada de mal, mas quiseste que te cativasse…
- É certo, disse a raposa.
- Mas vais chorar! disse o principezinho.
- Vou, disse a raposa.
- Então não ganhas nada com isso!
- Ganho, disse a raposa, por causa da cor do trigo.
Depois acrescentou:
- Vai olhar outra vez as rosas. Compreenderás que a tua é única no mundo. Voltarás para me dizer adeus e eu faço-te presente de um segredo.
O principezinho foi ver outra vez as rosas.
- Não são de modo nenhum parecidas com a minha rosa, ainda não são nada, disse-lhes ele. Ninguém vos cativou e vocês não cativaram ninguém. São como era a minha raposa. Era uma raposa parecida com cem mil outras. Mas fiz dela minha amiga e agora ela é única no mundo.
E as rosas ficaram muito incomodadas.
- São belas, mas vazias, disse-lhes ele ainda. Não se pode morrer por vocês. É certo que um vulgar viandante pensaria que ela se parece convosco. Mas por si é mais importante que vocês todas pois foi ela que eu reguei. Foi ela que eu coloquei sob uma redoma. Foi ela que eu abriguei com o guarda-vento. Foi a ela que matei as lagartas (excepto duas ou três para poderem dar borboletas). Foi ela que eu ouvi queixar-se ou gabar-se, ou por vezes calar-se. Ela é a minha rosa.
E voltou para junto da raposa:
- Adeus, disse…
- Adeus, disse a raposa. Eis o meu segredo. É muito simples: só se pode ver bem com o coração. O essencial é invisível aos olhos.
- O essencial é invisível aos olhos, repetiu o principezinho de modo a poder recordar-se.
- É o tempo que perdeste com a tua rosa que torna a tua rosa tão importante.
- É o tempo que eu perdi com a minha rosa… disse o principezinho para se recordar.
- Os homens esqueceram esta verdade, disse a raposa. Mas tu não deves esquecer-te. Tornaste-te para sempre responsável por aquilo que cativaste. Tu és o responsável pela tua rosa…
- Sou o responsável pela minha rosa… repetiu o principezinho, para se recordar.

Antoine de Saint-Exupéry