quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Na tarde erramos

Na tarde erramos,
Nós, tu e eu,
Mas três.
Tão sós que vamos
E não sou eu
Quem vês.

Discreto calo,
P'ra que o meu senso
Louves;
Em vão não falo,
Tanto o que eu penso
Ouves.

Melhor me fora
Que a outro assim
Levasses
E, longe embora,
Sòmente em mim
Pensasses.

Reinaldo Ferreira

domingo, 24 de janeiro de 2010

E eu acreditava

Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes!
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.

Mas isso era no tempo dos segredos.
Era no tempo em que o teu corpo era um aquário.
Era no tempo em que os meus olhos
eram os tais peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco, mas é verdade:
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor...,
já não se passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.

Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus

Eugénio de Andrade

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Vivo na esperança de um gesto

Vivo na esperança de um gesto
Que hás-de fazer.
Gesto, claro, é maneira de dizer,
Pois o que importa é o resto
Que esse gesto tem de ter.
Tem que ter sinceridade
Sem parecer premeditado;
E tem que ser convincente,
Mas de maneira diferente
Do discurso preparado.
Sem me alargar, não resisto
À tentação de dizer
Que o gesto não é só isto...
Quando tu, em confusão,
Sabendo que estou à espera,
Me mostras que só hesitas
Por não saber começar,
Que tentações de falar!
Porque enfim, como adivinhas,
Esse gesto eu sei qual é,
Mas se o disser, já não é...

Reinaldo Ferreira

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Nega-me

Nega-me o pão, o ar,
a luz, a primavera,
mas nunca o teu riso,
porque então morreria.

Pablo Neruda

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Vê como o verão
subitamente
se faz água no teu peito,

e a noite se faz barco,

e minha mão marinheiro.

Eugénio de Andrade

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

O Constante Diálogo

Há tantos diálogos

Diálogo com o ser amado
..................................o semelhante
..................................o diferente
..................................o indiferente
..................................o oposto
..................................o adversário
..................................o surdo-mudo
..................................o possesso
..................................o irracional
..................................o vegetal
..................................o mineral
..................................o inominado

Diálogo consigo mesmo
..................................com a noite
..................................os astros
..................................os mortos
..................................as ideias
..................................o sonho
..................................o passado
..................................o mais que futuro

Escolhe teu diálogo
.................................................e
tua melhor palavra
...........................................ou
teu melhor silêncio.
Mesmo no silêncio e com o silêncio
dialogamos.

Carlos Drummond de Andrade

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

um poema

Eu, Rosie, eu se falasse eu dir-te-ia
Que partout, everywhere, em toda a parte,
A vida égale, idêntica, the same,
É sempre um esforço inútil,
Um voo cego a nada.
Mas dancemos; dancemos
Já que temos
A valsa começada
E o Nada
Deve acabar-se também,
Como todas as coisas.
Tu pensas
Nas vantagens imensas
De um par
Que paga sem falar;
Eu, nauseado e grogue,
Eu penso, vê lá bem,
Em Arles e na orelha de Van Gogh...
E assim entre o que eu penso e o que tu sentes
A ponte que nos une - é estar ausentes.

Reinaldo Ferreira

sábado, 2 de janeiro de 2010

desejos

Que venha coragem.