terça-feira, 5 de junho de 2007

Agora, apodrecer.


Agora, apodrecer.
Nas ruas, no suor das mãos amigas dos amigos, na pele dos espelhos...
desespero sorrido, carne de sonho público, montras enfeitadas de olhos...

...mas apodrecer.

Bolor a fingir de lua, árvores esquecidas do princípio do mundo...
"como estás, estás bem?", o telefone não toca! devorador de astros...

... mas apodrecer.

Sim, apodrecer
de pé e mecânico,
a rolar pelo mundo
nesta bola de vidro,
já sem olhos para aguçar peitos
e o sol a nascer todos os dias
no emprego burocrático de dar razão aos relògios,
cada vez mais necessários para as certidões da morte exata,

Sim, apodrecer ...

"...as mãos, a còlera, o frio, as pálpebras, o cabelo
a morte, as bandeiras, as lágrimas, a república, o sexo...

... mas apodrecer!

Sujar estrelas.

José Gomes Ferreira

1 comentário:

Elsa Pereira disse...

"Senta-se a Manhã aos pés do Mestre, agita as fraldas do vestido de claridade, começa a contar. No meio da história o Tempo adormece mas a Manhã não se interrompe pois ao debulhar a narrativa parece-lhe escutar a voz cariciosa do Vento, vê a expressão de súplica nos olhos malandros. Vento vagabundo e sem pouso, onde andará? Em que recanto do mundo, bisbilhotando, desnudando árvores, varando nuvens, perseguindo a Chuva em correrias pelo céu para derrubá-la por fim no pasto verde?Íntimos, demasiadamente íntimos, o Vento e a Chuva, companheiros de vadiagem. Somente companheiros? A Manhã franze a testa, de repente preocupada."

JORGE AMADO (in, O GATO MALHADO E A ANDORINHA SINHÁ uma história de amor)